De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a cárie dentária continua a ser a doença humana mais prevalente no mundo inteiro, mesmo após décadas de evolução e melhoramentos das técnicas curativas tradicionais de dentisteria restauradora.
Elderton fez referência pela primeira vez, em 1985, ao ciclo de vida dos dentes restaurados, que termina em exodontia após sucessivos tratamentos restauradores, sendo a favor de adiar a restauração o mais possível.
A partir do momento em que se remove o tecido desmineralizado e se coloca um material de restauração, a peça dentária fica fragilizada, com uma estrutura heterogénea de resistências mecânicas diferentes e de interfaces que, apesar de toda a investigação científica, ainda não são perfeitas nem duradouras.
A fratura da restauração e a recidiva de cárie dentária são as principais causas de falha de restaurações a compósito, estimando-se que 60% do trabalho dos médicos dentistas consista em substituir restaurações dentárias. Poderá esta abordagem, por si só, ser considerada um tratamento? Ou será este um procedimento meramente mecanicista? Isolado o tratamento restaurador não cura a doença – assim, uma atitude no sentido de proteger o doente impedindo que a doença progrida, e não de unicamente ir remediando os efeitos dessa doença, deverá ser ativamente procurada.
Este desenvolvimento tem vindo a acontecer na Escandinávia, resultando numa diminuição significativa do índice de CPOD na população de todas as idades.
Em Portugal, as dificuldades na implementação desta abordagem passam pela expectativa do doente, que pretende que “alguma coisa” lhe seja feita em troca do pagamento da consulta de medicina dentária; e uma consulta de aconselhamento pode não ser julgada como “alguma coisa”. Mas esta é também uma postura que advém da própria atitude médica que, ao longo dos anos, foi moldando aquilo que a população espera do dentista.
Por outro lado, e apesar do consenso global à volta da urgência da evolução para uma medicina cada vez mais preventiva, nem as próprias entidades pagadoras, em Portugal, parecem entender a necessidade de controlo da doença.
Na verdade, são estas as primeiras a desvalorizar uma consulta que não implique tratamentos interventivos, modelando desta forma a atuação das novas gerações de médicos dentistas, que se encontram particularmente à mercê dos convénios.
Existem neste momento diversas iniciativas (ver referências no rodapé) no sentido de implementar uma nova atitude e diminuir as desigualdades encontradas na saúde oral de vários países que, neste âmbito, interessa conhecer.
Acredito que cabe a todos nós promovermos a mudança de atitude, como exemplo para os colegas e para os alunos. Depende de nós, e da nossa própria atuação clínica, a mudança que se deseja também na percepção que a população e as entidades pagadoras têm do que é uma consulta de medicina dentária.
Sofia Arantes de Oliveira, médica dentista
Artigo originalmente publicado na Revista da OMD nº 26, de julho de 2015.